“Há somente uma rainha, e é a Madonna!”, declara Nicki Minaj, fechando seu verso em “I Don’t Give A…”, do 12º álbum da Material Girl, MDNA.
Na noite de sábado,27, na Arena New Orleans, Madonna mostrou que tem razão. Seu cenário reuniu quase duas horas de muito drama e emoções, apresentando um material audiovisual suficiente para fazer valer a pena o ingresso de quase 400 dólares. Havia material hidráulico, fogo, lasers, palhaços dançarinos, contorcionistas, acrobatas, armas de fogo, vídeos quase políticos e discursos de voto e, claro, mais imagens católicas do que o Papa poderia destacar.
Em anos de Estrela Pop, o reinado de Madonna (2012 marca 30 anos desde o lançamento do primeiro single) faz dela a equivalente monarca à Rainha Vitória, em termos de longevidade. Na crítica do MDNA para a revista Slate, o crítico de rock Jody Rosen atacou e questionou como, aos 54 anos, Madonna ainda consegue, de forma audaciosa, tentar fazer o tipo de música dance-pop que mantém os fãs, com um terço da idade dela, na pista de dança até o amanhecer, sentindo como se seus segredos mais profundos estivessem sendo revelados pelas escolhas do DJ. Muitas divas de uma certa idade caem graciosamente no mundo das baladas, fato destacado por Rosen, se apoiando dignamente no poder de suas vozes.
É claro que Madonna não é uma cantora de primeira classe. Mas o objetivo nunca foi esse. O que a levou ao topo foi sua teatralidade, um lindo controle dramático de imagem e narrativa que fez dela uma das melhores atrizes do século 20, enquanto interpretava a si mesma. “A mensagem de Madonna sempre foi o poder”, destacou Rosen. “Não é algo que você perde com a idade”.
O show de sábado foi excepcional: exuberante, íntimo, perturbador, bem organizado e genuíno, tudo ao mesmo tempo. Com o perdão dos Von Trapps, como você resolve um problema como Madonna? (Resposta: não tem solução. Você simplesmente aperta os cintos e segue o fluxo.)
Dentre as emoções, havia algumas desafinações. Uma, por que Madonna gosta de tocar guitarra, como fez em, pelo menos, três músicas no sábado? Duas, uma “Open Your Heart” reimaginada e apresentada com o trio tradicional basco Kalakan (que participou de várias canções) cantando e tocando no escuro, em tom medieval, foi uma ideia corajosa, mas parecia não haver sincronia, e mais, a voz dela parecia sem fôlego, nem força.
Durante “Gang Bang” (que inclui o refrão “Bang, Bang, te matei / Bang, Bang, atirei na sua cabeça), seguida por “Revolver” (que apresenta um verso de Lil’ Wayne e, na noite de sábado, incluiu um vídeo de Wayne elevando-se no palco, usando uma túnica Opus Dei assustadora), havia violência suficiente para um filme de horror de Hong Kong. A cantora e seus exército de dançarinos seguiram no palco repletos de armas; um clone de Tura Satana* (ver nota) lambeu a pistola de Madonna. Durante o intervalo, que mostrou a cantora numa representação de motel dos anos 50, meia dúzia de assassinos mascarados tentaram sequestrá-la. Com muitas armas, ela despachou todos com gosto. A cada tiro, um spray de sangue em alta definição jorrava no telão – mais e mais e mais. Depois de matar seu último criminoso, ela relaxou na cama do motel cenográfico, daí agarrou o “morto” e esfregou a virilha no rosto dele.
Como se não tivéssemos entendido, ela andou orgulhosa até a ponta da passarela, cantando “Morra, seu puto!”, e variações desse tema, o suficiente pra ficar desconfortável.
A Casa de Horrores não estava no fim. Durante uma “Papa Don’t Preach” abreviada, Madonna foi algemada e carregada por artistas usando estranhas e assustadoras máscaras animais; enquanto ela estava nos bastidores, dançarinos sem camisa e com máscaras de gás apresentaram contorções e simulando torturas repugnantes e bem realistas, com movimentos violentos, com o som de ossos sendo quebrados nas batidas de “Best Friend”. Cenas tremidas em preto e branco de um cemitério gótico foram exibidas ao fundo.
Depois do intervalo sangrento e teatral, Madge, misericordiosamente, se transformou numa dançarina de uniforme e pegou um bastão para uma versão clássica e animada de “Express Yourself”, acompanhada por uma banda em fila que pairou no ar até desaparecer. “Oh, yay”, meu amigo disse aliviado. “Vamos ter uma música feliz pra dançar”.
“Express Yourself”, com um vídeo de fundo cheio de bolos, donas de casa, personagens e marinheiros musculosos dos anos 50 foi um alto ponto do cenário por muitas razões: a fidelidade à gravação original, o alto valor de produção, a energia exagerada, e o reconhecimento dissimulado ao débito que os descendentes de Madonna têm com ela. No meio da canção, sem se perder, Madonna saiu de sua música e cantou um verso de “Born This Way”, da Lady Gaga, que é, musicalmente, inquestionavelmente similar a “Express Yourself”. Admiração mútua ou um puxão de orelha? De qualquer forma, os fãs se alegraram por dançar com dois ídolos, o velho e o novo, em um só.
Como uma prerrogativa de realeza, Madonna tomou suas liberdades. Uma pluralidade das músicas do show foi tirada do MDNA, mas o ápice do catálogo dela também foi representado, mesmo que o arranjo da maioria estava totalmente novo. “Like A Virgin” foi cantada de forma melodramática, lenta e triste, com Madonna envolta em um piano. “Justify My Love” tocou enquanto um batalhão de dançarinos vestidos de palhaços ameaçadores se apresentavam. “Holiday”, “Into The Groove” e “Ray Of Light” tocaram sob um montagem de vídeos antigos, zumbindo como um rádio buscando sinal.
Madonna chegou ao palco logo após as 22h30, embora muitos fãs chegaram perto das 20h, horário do ingresso. Contudo, não vi ninguém impaciente com ela. Enquanto seu DJ abria o show tocando “House”, os corredores da arena esgotada pareciam uma grande festa, com multidões de fãs fantasiados bebendo e se enturmando. Havia Escoteiros, Centuriões Romanos e Missionários Mórmons, um Papa, várias freiras, três Marias Antonietas (duas mulheres e um homem) e, claro, múltiplas homenagens aos visuais incônicos de Madonna, representados por ambos os gêneros. (A “cowgirl” da era “Music” num terno branco brigou com a clássica Madonna “Like A Virgin” pelo título de “Mais Popular”.)
Partes do cenário de Madonna eram genuinamente aterrorizantes. Partes eram apaixonadamente transcendentes. Outras, poucas, eram confusas. Ela nos assustou demais, nos emocionou loucamente e provocou de formas que muitos artistas do nível dela nem se atrevem.
Conforme a própria cantora reconheceu, com elogios às fantasias da plateia, é difícil derrotar Nova Orleans numa noite de sábado de Halloween para um show muito bom. Mas, facilmente, Madonna fez exatamente isso. A Turnê MDNA deve ser eternizada.
Review do jornal Greater New Orleans.
Nota: Tura Satana foi uma atriz e dançarina exótica nipo-americana. Referência: http://pt.wikipedia.org/wiki/Tura_Satana