Faltando pouco para a estreia de Madonna em Hong Kong e Macau, ela fala de fama, inspiração e rebelião. “Eu preferiria que as pessoas falassem do meu trabalho, ao invés da minha vida pessoal”, disse ela no Hotel Bel-Air em Los Angeles, após o lançamento do álbum American Life, em 2003. “Gosto de falar do meu trabalho”.
Durante entrevistas ao longo dos vários anos e álbuns em Miami, Los Angeles e Londres, este é um mantra comum. E não há como rebater o impacto global que o trabalho de Madonna teve desde que explodiu ao público nos anos 80. Apenas para citar alguns números, ela já vendeu mais de 300 milhões de álbuns no mundo todo, é a maior artista de turnê de todos os tempos e teve o maior número de singles no primeiro lugar da Billboard.
E apesar do que dizem sobre a vida pessoal dela ultimamente, Madonna e a equipe de 180 pessoas já conseguiram incríveis números com a Rebel Heart Tour, que chega a Hong Kong e Macau neste mês, desde o início no dia 9 de setembro, em Montreal, Canadá.
O show usa 63 toneladas de equipamento. Os mil figurinos para Madonna e os 20 dançarinos foram criados por Prada, Miu Miu, Alexander Wang e Moschino e levaram mais de 10 mil horas para ficar prontos. Há 22 vídeos nos telões e as 23 canções, aproximadamente, vão desde Holiday a várias do mais recente álbum Rebel Heart. Tudo indica que Madonna fará um show memorável quando estrear em Hong Kong na Arena Asia-World nos dias 17 e 18 de fevereiro, e em Macau nos dias 20 e 21.
Por anos, ela diz aos fãs de Hong Kong que quer se apresentar na cidade, mas nunca conseguiu – e rumores da indústria sempre disseram que as arenas da cidade eram pequenas demais para ela. Durante uma entrevista para promover o lançamento de Confessions On A Dancefloor, em 2005, ela até perguntou a um repórter: “O povo da China e da região me querem lá? Como eu saberia? Ninguém me mandou nenhuma carta”.
Pessoalmente, Madonna é, geralmente, amigável, petulante, espontânea e cautelosa. “Ela pode farejar medo como um cachorro”, um jornalista disse após um encontro. “Se souber o que está fazendo, ela não se mete com você”, disse outro. E é verdade. Todos que se mantêm fiéis à música e revelam curiosidade sobre composições e os processos colaborativos dela são tratados com franqueza e ideias reveladoras. Em contrapartida, como um jornalista francês aprendeu após criticar as colaborações com o produtor Mirwais, ela não hesita em expulsar pessoas do recinto.
Em Miami, antes do lançamento de Ray Of Light, em 1998, Madonna, um pouco ansiosa e cautelosa, incerta da resposta do público para o lançamento incomum (que, no fim, ganhou quatro Grammys), disse que vivia uma jornada cheia de “crescimento espiritual”. Houve também batalhas internas com o conceito da fama. “As pessoas associam fama com felicidade e amor. Até eu cometi este erro no início. Aquilo que você mais guarda consigo são a sua fuga”.
Com tudo o que aconteceu na carreira dela, aquele ano parece a uma eternidade de distância. Ela se casou e se divorciou, teve dois filhos (Lourdes e Rocco), adotou mais dois do Malawi (David Ritchie e Mercy James), estrelou em alguns filmes (incluindo o mega fracasso Destino Insólito) e se meteu em uma batalha pública pela custódia do filho Rocco, além de enfrentar especulações sobre uma reconciliação com o ex-marido Sean Penn.
Claro, ela também lançou vários álbuns, chegando ao mais recente Rebel Heart, um trabalho obsceno e sem remorsos que traz Kanye West, Avicii e Diplo, em uma tentativa dela soar mais moderna. Apesar das boas críticas e de alguns primeiros lugares pelo mundo, o álbum também sofreu drasticamente após um vazamento online antes do lançamento oficial.
E ela também relaxou um pouco com a imprensa. “Quer pipoca?”, ela perguntou a um repórter antes de uma entrevista em Londres. Com uma atitude forte, ela concordou em responder tudo francamente, contanto que fosse sobre música. “Vamos lá!”, exclamou.
“Ser famosa?”, ela respondeu enquanto pensava cuidadosamente. “No início, é uma loucura. Você não sabe no que se meteu. Você diz e faz coisas, e nem liga. Daí, você passa pela fase do ‘Oh, meu Deus’ e perde a privacidade. Você se torna bem amarga e quer mandar todo mundo se f*der. Mas, hoje, eu evoluí e aceitei isso. Enquanto as canções antigas eram sobre diversão, as que componho hoje são sobre as lições que aprendi”.
Durante outro momento sincero, ela revelou que fantasiou abandonar a indústria do entretenimento, mas reconheceu que a posição dela é a plataforma pra ela dizer o que quiser. Sendo assim, ela nunca está longe dos diários, que, certamente, serão uma grande pedida das editoras um dia. “Eu carrego diários comigo a todo lugar, então é um trabalho em constante progresso. Tento continuar trabalhando com pessoas interessantes, pessoas com garra, curiosas, pessoas motivadas. Gosto de achar colaboradores que sintam o mesmo que eu”.
Ao longo dos anos, muitas colaborações bem-sucedidas aconteceram. Desde o início, as parcerias musicais ajudaram a capturar o espírito musical da época, seja no dance-pop dos anos 80 que ela criou com John “Jellybean” Benitez, a electronica mais sombria dos anos 90 com William Orbit, ou as recentes sessões com Diplo e outros que deram luz ao Rebel Heart. Esta habilidade de reinventar sons do underground a um público mais mainstream teve um tremendo impacto no cenário musical. Portanto, talvez seja compreensível por que ela se frustra com o foco na vida pessoal.
Uma rápida pesquisa no Youtube revela a recente homenagem dela a David Bowie, quando cantou Rebel Rebel. Não é nenhuma surpresa que Bowie, que morreu há pouco tempo após uma batalha contra o câncer, foi um dos primeiros artistas que ela viu ao vivo e que a inspirou a ser cantora. “Não lembro se foi David Bowie ou Elton John que eu vi primeiro, mas fui castigada por ambos. Não teria me tornado quem sou se não tivesse esses valores antiquados para os quais me rebelar”.
E com um sorriso forçado, ela espera a próxima pergunta. A barreira já foi derrubada, e agora ela é apenas uma pessoa falando de música. Uma pessoa, entretanto, que mudou a música e o cenário cultural do mundo todo, a percepção de mulheres no pop e além, que destruiu tabus sobre o que pode ser apresentado no palco, e que tem uma influência inarrável em várias gerações de futuros músicos.
O repórter pergunta sobre o lançamento de uma biografia. “Oh, só aos 80 anos”, ela ri.