Madonna voltou!
Mas ela nunca foi embora. Depois de mandar no mundo Pop por 30 anos, ela conta a verdade sobre a ousadia. Veja o ousado ensaio fotográfico para a edição de Novembro.
“Verdade ou Consequência?”
Isso é um slogan muitas vezes associado a mim. Eu fiz um documentário com este título, e ele se prendeu a mim como papel mata-moscas desde então. É um jogo divertido, se você está com vontade de assumir riscos, e geralmente eu estou. No entanto, você tem que jogar com um grupo inteligente de pessoas. Caso contrário, você se verá beijando todo mundo na sala ou fazendo sexo oral em garrafas de água!As pessoas geralmente escolhem a “verdade” quando é a vez delas porque você consegue mentir sobre si mesmo e ninguém será o mais sábio, mas quando você é desafiado a fazer algo, você tem que fazê-lo de verdade. E fazer algo ousado é uma proposta bastante assustadora para a maioria das pessoas. Mesmo assim, por alguma estranha razão, isso se tornou a minha “razão de viver”.
Se eu não posso ser ousada em meu trabalho ou na forma como vivo a minha vida, então não vejo por quê estar neste planeta.
Isso pode parecer um pouco extremista, mas crescer em um subúrbio no centro-oeste era tudo o que eu precisava para entender que o mundo era dividido em duas categorias: as pessoas que seguiram o status quo e ficavam na zona de conforto, e as pessoas que jogaram as convenções pela janela e dançaram a um ritmo diferente. Eu me atirei para a segunda categoria e logo descobri que ser uma rebelde e não conformada não a torna muito popular. Na verdade, faz o oposto. Você é visto como um suspeito. Um encrenqueiro. Alguém perigoso.
Quando você tem 15 anos, isto pode ser um pouco desconfortável. Adolescentes querem encaixar-se por um lado e ser rebelde do outro. Beber cerveja e fumar maconha no estacionamento do meu ensino médio não era minha ideia de ser rebelde, porque isso é o que todos faziam. E eu nunca quis fazer o que todo mundo fazia. Eu pensei que era mais legal não depilar as pernas ou debaixo dos braços. Quer dizer, por que Deus nos deu cabelo lá afinal? Por que os caras não tinham que raspar lá? Por que isso foi aceito na Europa, mas não nos EUA? Ninguém podia responder às minhas perguntas de forma satisfatória, então eu ousei ainda mais. Me recusei a usar maquiagem e lenços amarrados na cabeça, como uma camponesa russa. Fiz o contrário do que todas as outras garotas faziam, e comecei a afastar os homens. Eu desafiava as pessoas a gostarem de mim e da minha não-conformidade.
Isto não correu muito bem. A maioria das pessoas me achava estranha. Eu não tinha muitos amigos; Posso não ter tido nenhum amigo. Mas tudo acabou bem no final, porque quando você não é popular e você não tem uma vida social, há mais tempo para se concentrar em seu futuro. E, para mim, que estava indo para Nova York me tornar uma artista de verdade. Para ser capaz de expressar-me em uma cidade de inconformistas. Pra me deleitar, e dançar e agitar em um mundo e estar rodeada por pessoas ousadas.
Nova York não era tudo que eu pensava que seria. Ela não me recebeu de braços abertos. No primeiro ano, colocaram uma arma na minha cabeça. Estuprada no telhado de um edifício, eu fui arrastada com uma faca em minhas costas, e tive meu apartamento invadido três vezes. Não sei por quê; Não tinha nada de valor depois que levaram meu rádio pela primeira vez.
Os edifícios altos e a escala maciça de Nova York tiraram o meu fôlego. As calçadas quentes e o barulho do tráfego e a eletricidade das pessoas correndo por mim nas ruas foi um grande choque para meus neurotransmissores. Senti que eu tinha me conectado com outro universo. Eu me senti como um guerreiro mergulhando através das multidões para sobreviver. O sangue corria nas minhas veias, e eu estava pronta para sobrevivência. Me sentia viva.
Mas também me cagava de medo, e pirava com o cheiro de mijo e vômito em toda parte, especialmente na porta de entrada do meu terceiro andar sem elevador.
E todos os mendigos na rua. Não foi nada para o qual me preparei em Rochester, Michigan. Tentar ser uma dançarina profissional, pagar meu aluguel depois de posar nua para aulas de arte, encarar as pessoas olhando para mim nua. Desafiando-as a pensar em mim como um formulário que eles estavam tentando capturar com seus lápis e carvão. Eu era desafiadora. Teimosa em sobreviver. Em ser bem-sucedida. Mas foi difícil e era solitário, e eu tive que me desafiar todos os dias para continuar. Às vezes, me fazia de vítima e chorava na minha caixa de sapato de um quarto com uma janela que dava para uma parede, vendo os pombos cagarem na minha janela. E perguntava-me se tudo valia a pena, mas então eu me recompunha e olhava para um cartão-postal de Frida Kahlo grudado em minha parede, e a visão de seu bigode me consolava. Porque ela era um artista que não se importava com o que as pessoas pensavam. Eu a admirava. Ela foi ousada. Pessoas deram-lhe muito trabalho. A vida deu-lhe muito trabalho. Se ela pôde fazer isso, então eu também podia.
Aos 25, é um pouco mais fácil ser ousada, especialmente se você é uma popstar, porque o comportamento excêntrico é esperado de você. Até então, eu depilava debaixo dos braços, mas também usava quantos crucifixos meu pescoço aguentava, e dizia às pessoas em entrevistas que eu fazia porque achava Jesus sexy. Bem, ele era sexy para mim, mas também dizia que era provocante. Tenho uma relação engraçada com a religião. Acredito muito em comportamento ritualístico, contanto que não machuque ninguém. Mas eu não sou uma grande fã de regras. E, mesmo assim, não podemos viver num mundo sem ordem. Mas para mim, há uma diferença entre regras e ordem. As pessoas seguem regras sem questionar. A ordem é o que acontece quando as palavras e ações unem as pessoas, e não as separa. Sim, eu gosto de provocar; está no meu DNA. Mas em nove de 10 vezes, há uma razão para isso.
Aos 35 anos, estava divorciada e procurando pelo amor em todos os lugares errados. Eu decidi que precisava ser mais do que uma menina com dentes de ouro e namorados gangsters. Mais do que uma provocadora sexual implorando as meninas para não aceitarem o segundo lugar. Comecei a procurar significado e um sentido real de propósito na vida. Eu queria ser mãe, mas percebi que, só porque eu lutava pela liberdade, não significava que estava qualificada para criar uma criança. Eu decidi que precisava ter uma vida espiritual. Foi quando eu descobri a Cabala.
Dizem que quando o aluno está pronto, o professor aparece, e eu temo que esse clichê se aplicou a mim também. Esse foi o próximo período de ousadia de minha vida. No início, eu me sentava na parte de trás da sala de aula. Eu era geralmente a única mulher. Todo mundo parecia muito sério. A maioria dos homens usava ternos e kippahs. Ninguém me percebia e ninguém parecia se importar, e isso me serviu muito bem. O que o professor dizia me deixou louca. Ressoou em mim. Me inspirou. Nós estávamos falando sobre Deus e o céu e o inferno, mas não parecia que um dogma religioso estava sendo enfiado na minha garganta. Eu estava aprendendo sobre ciência e física quântica. Eu estava lendo Aramaico. Eu estava estudando História. Fui apresentada a uma sabedoria antiga que eu podia aplicar na minha vida de forma prática. E, pela primeira vez, perguntas e debates foram incentivados. Este era o meu tipo de lugar.
Quando o mundo descobriu que eu estava estudando a Kabbalah, fui acusada de participar de um culto. Fui acusada de ter sofrido uma lavagem cerebral. De ter doado todo o meu dinheiro. Fui acusada de todos os tipos de loucuras. Se tivesse me tornado Budista — coloquei um altar na minha casa e comecei a cantar “Nam-myoho-renge-kyo” — ninguém teria me incomodado. Quero dizer, nenhum desrespeito aos Budistas, mas a Kabbalah realmente assustou as pessoas. E ainda assusta. Agora, você acharia que estudar a interpretação mística do Antigo Testamento e tentar entender os segredos do universo era algo inofensivo. Eu não estava ferindo ninguém. Só ia pra aula, tomava notas no meu caderno espiral, contemplava o meu futuro. Eu realmente estava tentando me tornar uma pessoa melhor.
Por alguma razão, aquilo enfureceu as pessoas. Deixou-as loucas de raiva. Eu fazia algo perigoso? Isso me forçou a me questionar: “Tentar me relacionar com Deus é ousado?”. Talvez seja.
Quando completei 45, casei-me novamente, com dois filhos e morava em Inglaterra. Considero a mudança para um país estrangeiro algo muito ousado. Não foi fácil para mim. Só porque falamos a mesma língua, não quer dizer que falamos a mesma língua. Não percebi que havia ainda um sistema de classes. Eu não entendia a cultura de Pubs. Eu não entendia que seria reprovada por ser abertamente ambiciosa. Mais uma vez, eu me senti sozinha. Mas eu permaneci lá e encontrei meu caminho, e aprendi a amar a sagacidade inglesa, a arquitetura georgiana, o pudim de caramelo pegajosa e o interior inglês. Não há nada mais bonito do que o interior da Inglaterra.
Então eu decidi que tinha vergonha dos ricos e que havia muitas crianças no mundo sem pais ou famílias a amá-los. Me inscrevi em uma agência de adoção internacional e passei por toda a burocracia, testes e espera que todo mundo passa quando adotam. Como obra do destino, no meio deste processo uma mulher me ligou de um pequeno país na África chamado Malawi, e me contou sobre os milhões de crianças órfãs da AIDS. Antes que consiga dizer “Zikomo Kwambiri”, eu estava no aeroporto em Lilongwe em direção a um orfanato em Mchinji, onde conheci o meu filho David. E esse foi o começo de mais um capítulo de ousadia de minha vida. Eu não sabia que tentar adotar uma criança ia aterrar-me em outra tempestade de merda. Mas assim foi. Fui acusada de rapto de criança, tráfico, usando meu status de celebridade para avançar na fila, subornar funcionários do governo, bruxaria e tudo o mais. Certamente, eu tinha feito algo ilegal!
Esta foi uma experiência reveladora. Um ponto muito baixo na minha vida. Eu poderia aceitar as pessoas me criticando por simular masturbação no palco ou publicar o meu livro Sex, ou até por beijar Britney Spears em uma premiação, mas por tentar salvar a vida de uma criança não era algo que eu pensei que seria castigada. Amigos tentaram me animar, dizendo para pensar nisso tudo como dores de parto que todos temos que passar quando damos à luz. Isto era vagamente reconfortante. De qualquer forma, eu superei. Eu sobrevivi.
Quando adotei Mercy James, vesti a minha armadura. Eu tentei estar mais preparada. Eu me armei. Desta vez, fui acusada por uma juíza do Malauí que, por estar divorciada, eu era uma mãe incapaz. Lutei contra a suprema corte e ganhei. Demorou quase um ano e muitos advogados. Ainda assim apanhei, mas não doeu tanto. E ao olhar pra trás, não me arrependo de um momento da luta sequer.
Uma das muitas coisas que aprendi disso tudo: se você não se dispõe a lutar pelo que acredita, nem entre no ringue.
Dez anos depois, aqui estou eu, divorciada e morando em Nova York. Fui abençoada com quatro filhos incríveis. Tento ensiná-los a pensar fora da caixa. A serem ousados. A optar por fazer as coisas, porque são a coisa certa a fazer, não porque todo mundo está fazendo. Eu comecei a fazer filmes, o que é provavelmente a coisa mais desafiadora e gratificante que já fiz. Estou construindo escolas para as meninas em países islâmicos e estudando o Alcorão. Acho que é importante estudar todos os livros sagrados. Como meu amigo Yaman sempre me diz, um bom muçulmano é um bom judeu, e um bom judeu é um bom Cristão, e assim por diante. Concordo plenamente. Para algumas pessoas, é um pensamento muito ousado.
Como a vida continua (graças a Deus!), a ideia de ser ousada se tornou a norma para mim. Claro, isso é tudo sobre percepção porque questionar, desafiar as ideias das pessoas e dos sistemas de crenças e defender aqueles que não têm voz, tornou-se uma parte do meu cotidiano.
No meu livro, é normal. No meu livro, todo mundo faz algo ousado. Por favor, abra este livro. Eu te desafio!
Obrigado a Leonardo Magalhães pela tradução.