Quando uma artista embarca na décima turnê de uma carreira com mais de 30 anos, pode parecer nada novo ou inovador, ou ainda que ela viria com os mesmos truques: cantar (ou dublar em alguns casos) os mesmos sucessos das coletâneas e simplesmente fazer de qualquer jeito para embolsar alguns milhões. Mas Madonna não é assim.
Ela chegou ao primeiro de dois shows na arena American Airlines em Miami, na terceira etapa da rr, que viaja o mundo desde setembro do ano passado (e segue até março). Esta jornada é bem diferente das outras turnês de Madonna, com coreografias complexas e uma precisão intensa, mas Madonna veio mais cálida do que há muito não se via no palco. Ela saiu da personagem, pode-se dizer, em momentos com a plateia, contando piadas e batendo nos dançarinos como punição por não pegar as maracas. Ela parecia estar se divertindo de verdade.
Mas não precisa dizer que Madonna não foi Madonna. Depois de tantos anos de apresentações, ela ainda consegue achar novas formas de chocar, inspirar e se afirmar: ela trouxe freiras fazendo pole dance, além de uma recriação da Última Ceia, uma performance de La Cucaracha na virilha (“É um talento raro conseguir tocar na sua b*ceta assim”, disse ela) e vestimentas religiosas para os dançarinos em Devil Pray. E mais um discurso emocionante sobre ser diferente e não se encaixar em padrões, antes de cantar a faixa-título do show. No entanto, houve tantos (senão mais) momentos leves quanto danças pesadas, touradas (bem, com minotauros) e um final patriótico com Madonna voando pelo palco.
Ninguém vai a um show de Madonna por causa dos vocais dela, mas a voz estava forte e nada foi dublado (embora algumas canções tivessem uma trilha de fundo bem alta). Os vocais fortes e nítidos da Material Girl estavam aparentes especialmente durante as canções acústicas (nas quais ela tocou violão), incluindo uma performance de True Blue e um cover de La Vie En Rose no ukelele.
Os fãs ganharam um brinde especial com uma versão acústica de Don’t Cry For Me Argentina, a primeira vez na qual ela tocou na Rebel Heart Tour (Madonna disse que Miami era a cidade perfeita pra isso também).
Outra experiência única para quem foi ao show foi Unapologetic Bitch, quando Madonna leva alguém da plateia pro palco. A escolhida em Miami foi ninguém mais, ninguém menos do que a própria filha Mercy, que fez aniversário. Ao invés do típico “presente” que Madonna dá à Unapologetic Bitch da noite, uma banana, Mercy ganhou um cupcake e todos cantaram Parabéns pra ela.
Vale ressaltar que, enquanto outras celebridades se gabam dos amigos famosos, Madonna escolheu levar a própria filha pro palco, ao invés de algum dos inúmeros astros que estavam na plateia (incluindo Naomi Campbell, Gloria Estefan, Sam Smith e a amiga de longa data Rosie O’Donnell).
Quanto à setlist, metade das canções eram do álbum Rebel Heart (afinal, a turnê se chama Rebel Heart Tour) e a outra metade eram alguns dos maiores sucessos de Madonna (a maioria lá dos anos 80). Alguns dos clássicos foram mantidos nas versões originais, como La Isla Bonita, Deeper And Deeper e a última, Holiday, enquanto outras ganharam uma nova roupagem, incluindo um medley flamenco de Dress You Up, Into The Groove e Lucky Star.
Talvez a maior reinvenção foi para Like A Virgin. Madonna modernizou a canção e colocou uma batida novinha e cativante, e dançou sozinha por todo o palco. Ela até rolou no chão, no que pode ter sido uma homenagem à performance original no VMA da MTV, em 1984 (embora desta vez, 32 anos depois, ela o fez de terno, e não num vestido de noiva).
É possível que as únicas canções que faltaram foram alguns dos sucessos dos anos 90 e 2000. Claro, ela cantou por mais de duas horas e não há tempo pra ela apresentar cada sucesso do catálogo, mas, com tantas canções dos anos 80 e o álbum mais recente incluso, muitas eras não foram representadas.
Na verdade, as únicas canções pós-1990 e pré-2015 foram Deeper And Deeper (1992), Music (2000) e Candy Shop (2008). Músicas como Ray Of Light, Hung Up ou Take A Bow talvez seriam boas adições/substituições, apenas para demonstrar como Madonna foi consistente em criar sucessos por mais de 30 anos.
Um dos pontos altos do show foi quando Madonna saiu do palco para trocar de figurino e os dançarinos, em cima dos mastros, se balançavam como no Cirque Du Soleil por cima do público, agarrando outros dançarinos no palco ao mesmo tempo. Foi uma visão incrível que só prova como um show de Madonna é incrível. Nem é um show realmente, já que ela traz o que há de mais moderno para entreter os fãs.
A idade dela não importa, mas vale ressaltar que, aos 57 anos, Madonna ainda consegue entregar um show de duas horas e meia, fazendo pole dance, vogue e, claro, dançando como nunca e cantando ao vivo. Desde a Blond Ambition Tour, em 1990, quando ela essencialmente transformou os shows em eventos teatrais com figurinos, dançarinos, coreografia e cenários, os astros Pop mais jovens vêm tentando usar a fórmula dela nos próprios shows. Mesmo assim, aos 57, Madonna faz melhor.
Ela é uma profissional veterana que não mostra sinais de cansaço, apesar da piada de que a próxima turnê será só de baladas e comédia stand-up (chamada de Turnê As Lágrimas de um Palhaço, segundo ela). E se isso realmente acontecer, milhões de fãs irão comprar ingressos. Por quê? Porque, vadia, ela é Madonna, e não há ninguém como ela.
Adaptado do Examiner.