Chegando ao prédio da gravadora Universal em Manhattan em uma noite escura e fria, Madonna parecia uma princesa malcriada que veio dar uma lição em seus peões. É uma imagem acentuada não apenas pelo figurino – um blazer preto feito sob medida, com braçadeiras; um apito prateado Chanel, pendurado em um colar, luvas de seda na cor berinjela com um anel de diamantes em formato de caveira –, mas também o empregado que a segue, carregando uma antiga garrafa de vidro com um laço preto amarrado no pescoço. Parece vindo de um desenho, mas é apenas tequila. “Vamos brincar de um jogo com bebida”, anunciou Madonna, colocando dois copos de shots na mesa. “Se você fizer uma pergunta idiota, terá que beber. Mas se fizer uma pergunta incrível, eu terei que beber”. Pausa dramática. “Eu tomarei as decisões, no entanto.”
Madonna não chegou a beber, mas ninguém ficou bêbado. Ao invés disso, após relaxar em um sofá de couro branco, toda confortável e aos 56 anos: o corpo, como sempre, na melhor forma; e os lindos olhos azuis nunca perdem um ângulo. Assim, ela falou de sexo, maternidade, religião e Rebel Heart, o 13º álbum de estúdio. Retornando ao Pop, depois do álbum eletrônico MDNA, de 2012 (que vendeu 539 mil cópias, de acordo com a Nielsen Music), Rebel Heart traz os convidados especiais Kanye West, Nicki Minaj, Nas e Mike Tyson; e produtores como Diplo e Avicii. As faixas têm o nome das mais antigas obsessões dela, como S.E.X. e Holy Water (Água Benta).
Madonna já se casou duas vezes: com o ator Sean Penn e com o diretor Guy Ritchie, e continua focada na maternidade dos quatro filhos (Lourdes, 18; Rocco, 14; e os Malawianos David e Mercy James, ambos com 9 anos). Porém, hoje, ela é uma mulher livre, morando em Nova York e curtindo a vida (ela namorou o coreógrafo Timor Steffens, de 26 anos, no ano passado). A apresentação do primeiro single de Rebel Heart no Grammy, vestida de Matadora sexy, representa o lado divertido do trabalho dela; fazer um álbum é o difícil.
“Me sinto uma professorinha”, explica ela, se referindo aos vários colaboradores que ela liderou. “Kanye, por exemplo, tem ideias excelentes, mas é difícil fazê-lo prestar atenção. Então, o meu trabalho era mantê-lo focado. Eu era a senhora andando com a prancheta, dizendo: ‘Gente, vocês podem voltar pro estúdio? Vamos terminar a canção. Como assim, vocês estão indo a um ensaio fotográfico? Como assim, vocês têm um evento de tapete vermelho pra ir? Saiam do telefone! Dá pra sair do Twitter? Esperem, não terminamos!’”.
VOCÊ CITA ALGUMAS DAS SUAS CANÇÕES MAIS FAMOSAS – LIKE A VIRGIN, JUSTIFY MY LOVE, RAY OF LIGHT, SÓ PRA CITAR ALGUMAS – EM VENI VIDI VICI, E MENCIONA VOGUE NA CANÇÃO HOLY WATER. POR QUE CITAR SEU PRÓPRIO TRABALHO?
Eu menciono muitas coisas da cultura Pop, e compus tantas canções, em uma carreira tão longa, que acabo citando a mim mesma também. Se eu puder me aproveitar de alguém, pode ser de mim mesma.
NA FAIXA-TÍTULO, VOCÊ FALA DE DESCAMAR A PELE E NUNCA OLHAR PRA TRÁS. VOCÊ REALMENTE NÃO SE ARREPENDE DE NADA?
Todos têm arrependimentos. Eu me arrependo de coisas pequenas, que acabam sendo as maiores na vida. Por exemplo, me arrependo de não ser mais grata em alguns momentos da vida. Me arrependo de não ser mais compassiva. Me arrependo de não pedir desculpas. Não tenho arrependimentos na carreira. Tenho arrependimentos humanos.
MUITAS CANÇÕES EM REBEL HEART SÃO INCRIVELMENTE ÍNTIMAS – MAIS ÍNTIMAS DO QUE A MADONNA TIDA COMO HEROÍNA.
Como digo na canção Joan Of Arc, “até corações de aço se quebram”. Até as pessoas que admiramos têm seus momentos frágeis, vulneráveis, assustados, medrosos, incertos, magoados. Não dá pra ser um herói, a menos que haja o outro lado.
MAS, CULTURALMENTE, O DISCURSO DE MADONNA É: “ESTA É UMA MULHER FORTE, E EU QUERO O MEU ESPAÇO”.
Mas nunca disse o que uma mulher forte não é. As pessoas acham que sou invencível, mas não quer dizer que também não sou vulnerável. Nunca disse ser apenas uma coisa.
NO ÁLBUM, VOCÊ USA A PALAVRA BITCH (PUTA) BASTANTE (BITCH, I’M MADONNA, UNAPOLOGETIC BITCH), E ALGUNS BLOGUEIROS DIZEM QUE DEVERIA SER CENSURADA.
Acho que é besteira. A palavra “polícia” pode se danar. Não quero ser policiada. Não me interesso por correções políticas. A palavra “bitch” significa muitas coisas diferentes. Tudo depende do contexto. Quando me mudei pra Inglaterra e ouvi a palavra “cunt” (“b*ceta”), fiquei horrorizada. As pessoas se chamavam disso! Daí, eu percebi que, naquela cultura, era diferente. Eles davam tapinhas nas costas e diziam: “Quem é a b*ceta, né? Você é meu melhor amigo!”. A palavra “fuck” (“foda”) não significa apenas sexo, Sabe, “Você é foda!”, “Tu vai me foder?”, “Vai se foder!” (risos). Sexo nada tem a ver com qualquer uma dessas expressões, e o mesmo vale para “bitch”. Se eu te disser: “Sou um puta do caramba”, estou admitindo algo, dizendo: “Sou forte, durona, então não se meta comigo”. Se eu disser: “Por que está sendo tão puta comigo?”… Bem, isso quer dizer outra coisa.
MAS A ATENÇÃO À LINGUAGEM NÃO É UMA PARTE IMPORTANTE DO NOVO DISCURSO SOBRE RAÇAS, GÊNEROS E PODER?
Sim, mas é outra história. Linguagem, e o uso da linguagem, é diferente de um humano abusar fisicamente ou verbalmente de outro, ou matar alguém por causa da cor da pele ou a orientação sexual, ou as crenças religiosas. Não acho que se deva misturar os dois.
POR QUE VOCÊ DECIDIU COMPOR TANTO SOBRE SEXO E RELIGIÃO?
Quando foi que eu não explorei as políticas de sexo e religião? Apenas segui com meus estudos.
QUAL É A SUA RELAÇÃO COM O CATOLICISMO ATUALMENTE?
O Catolicismo é a minha alma mater (“a mãe que alimenta ou nutre”). É a escola que eu frequentava, e pra onde eu posso voltar quando eu quiser, pois eu sofri a opressão e todo o abuso, mas também aproveitei toda a pompa e circunstância, o drama e a confusão, e a hipocrisia e a loucura. Sinto que posso dizer e querer o que quiser. Fui excomungada pela Igreja Católica algumas vezes, mas também sinto que este novo Papa é moderno, e acho que talvez sejamos capazes de nos unir e conversar sobre sexo.
VOCÊ LEU 50 TONS DE CINZA?
Sim. É subliteratura. Não é muito sexy, talvez para alguém que nunca transou na vida. Eu fiquei esperando por algo excitante e louco acontecer naquele tal quarto de jogos, e pensei: “Humm, muitas palmadas”. Eu também pensei: “Isso é tão surreal, porque nenhum cara faz tanto sexo oral assim numa garota”. Desculpa, mas ninguém chupa tanta b*ceta assim, que nem o cara do livro.
VOCÊ ACHA QUE SUAS OPINIÕES SOBRE SEXO MUDARAM, VEJAMOS, NOS ÚLTIMOS 25 ANOS?
Certamente não. Não mesmo. Sexo é maravilhoso, é uma parte necessária da vida.
MUITAS MÚSICAS NESSE ÁLBUM SÃO BEM ROMÂNTICAS. VOCÊ SE VÊ CASANDO NOVAMENTE?
Espera, o que o romance tem a ver com o casamento?
ELES NÃO ANDAM JUNTOS? É O QUE TODOS DIZEM NA AMÉRICA.
Não, não. Pergunta idiota! Pode beber (Madonna coloca bebida no corpo). Em primeiro lugar, todo mundo diz na América. Hein??! De quem você está falando? Engole isso!
SÉRIO?
Sim, é que nem água. Como água para chocolate. Água benta! É uma benção, de joelhos.
ARGH! VOCÊ ESTÁ APAIXONADA HOJE?
Não.
VOCÊ QUER SE APAIXONAR NOVAMENTE?
Sim, sou uma eterna romântica. Adoro estar apaixonada. Sabe, sou apaixonada pelos meus filhos, mas é um amor diferente. É o amor infinito.
DE QUAIS CANÇÕES SUAS SEUS FILHOS GOSTAM?
Lola é doida por Bitch, I’m Madonna, é a preferida dela. Rocco e ela gostam das faixas do Diplo. Rocco é um grande fã do rap dos anos 90, então ele gosta de Veni Vidi Vici, pois adora o Nas. David toca guitarra e canta, então ele gosta das canções mais acústicas. Ele é um verdadeiro romântico.
VOCÊ INVENTOU ESTA IDEIA DE SE REVELAR AO PÚBLICO EM UMA ÉPOCA QUANDO OS CRÍTICOS TORCIAM O NARIZ: “ARTISTAS DE VERDADE NÃO SE REVELAM ASSIM”. HOJE, É OBRIGATÓRIO QUE OS ARTISTAS COMPARTILHEM TUDO.
Você deve ter um reality show.
CERTO. SE TIVESSE 22 ANOS, VOCÊ SERIA VICIADA EM INSTAGRAM?
Eu SOU viciada em Instagram. Não sei o que faria se tivesse 22 anos.
MAS VOCÊ ACHA QUE AS MÍDIAS SOCIAIS SÃO UM MEIO VIÁVEL DE AUTOEXPRESSÃO, OU É APENAS MARKETING?
São ambos. Você pode tirar mil selfies sempre que tiver algo pra vender e usar como autopromoção, ou pode usá-las como arte para expressar e compartilhar coisas que lhe inspiram. Acho isso muito revelador sobre as pessoas, o que elas escolhem mostrar sobre si mesmas.
AO QUE VOCÊ GOSTA DE ASSISTIR NA TV?
Eu vejo Game Of Thrones com meus filhos. É uma boa reunião familiar. Mas minha obsessão pessoal é True Detective, porque Matthew McConaughey é brilhante e o roteiro é genial. E uma série irlandesa, The Fall. Mas eu sempre assisto a filmes antigos, sem parar. Todos do Godard, Visconti, Fellini, Pasolini. Eu amo Alain Resnais.
VOCÊ SENTE FALTA DE IR A BOATES E DANÇAR?
Eu vou sim às boates! Eu fui a Ibiza com a minha filha – foi a última vez em que saímos antes dela ir pra faculdade – e eu já estive em muitas casas noturnas com ela, dançando, esbarrando em outras pessoas, todo mundo suando em mim.
VOCÊ ACHA QUE TUDO É MAIS FÁCIL PARA AS MULHERES HOJE EM DIA?
Humm…depende do que você quer dizer com “mais fácil”. Acho que é mais fácil por um lado, porque ninguém te segura e você faz o que quiser. Por outro lado, se você é uma popstar e quer gravar seus discos e atingir as massas, você deve ir com cuidado. É preciso ser politicamente correta se você quer tocar em rádios, por exemplo, e isso eu jamais serei. Não há muitos jovens popstars que realmente têm opiniões – ou as têm, mas não as expressam. A individualidade não é motivada. Manter o sucesso e não mexer em time que se ganha – isso sim é a motivação.
QUAL A SUA OPINIÃO SOBRE MILEY CYRUS?
Eu gosto dela. Ela parece não se importar com o que as pessoas pensam. As pessoas estão sempre dizendo que ela é suja ou louca e ela nem liga. Adoro isso nela. Na ninhada, ela se destaca.
QUANDO VOCÊ ANALISA A SUA CARREIRA, ONDE VOCÊ ENXERGA SUA CONTRIBUIÇÃO NA QUEBRA DE TABUS PARA MULHERES NOS EUA?
Não acho que seja só uma contribuição. É uma atividade constante em minha vida. Eu estou sempre abrindo portas para as mulheres atrás de mim. Não conheço muitas mulheres que tiveram sucesso na música Pop pelo mesmo tempo em que eu tive. E eu esperei até ficar velha para ter filhos. Eu criei meus filhos sem estar casada. E continuo me expressando – e minha sexualidade também – nos meus 50 anos, ainda que isso seja considerado tabu e eu ature um monte de merda por isso. Mas, daqui a 20 anos, Miley Cyrus provavelmente não vai ter que engolir merda. Quando esse dia chegar, vai ser tipo: “Ah, isso não é nada novo”.
Entrevista: Billboard