Eis a segunda parte da entrevista de Madonna para a MOJO traduzida.
De muitas maneiras, Rebel Heart é o título certo para um álbum de Madonna, já que a rebeldia está atrelada ao DNA dela. Durante a conversa, ela é afiada, engraçada e amigável. Daí, sem qualquer motivo e de repente, uma atitude desafiadora aparece, primeiramente quando perguntamos a ela o porquê de sempre sentir uma forte vontade de se rebelar.
“(Após uma longa pausa) Por que eu sinto isso? Pois é parte de ser uma artista e um ser humano, mas sempre fui assim, mesmo antes de começar a compor. Sempre dizia ao meu pai: ‘Mas por que eu tenho que fazer isso? Por que essa é a regra? Por que as meninas precisam fazer isso e os meninos, aquilo? Por que as mulheres têm que cobrir a cabeça na igreja e os homens, não? Por que eu devo usar um vestido e eles, calças? Por quê? Por quê? Por quê?’. E meu pai sempre dizia: ‘Por que você sempre me questiona?’. E eu respondia: ‘Mas por que não?’. Então, eu não sei. Como ser humano, estamos aqui para questionar. Como artista, é o seu trabalho questionar.”
Rapidamente, Madonna volta a sorrir. “Creio que a rebeldia é obrigatória para todas as pessoas criativas”, ela conclui. “E se não você for rebelde de algum jeito no seu trabalho, então eu não sei por que você o faz.”
Lembrando do passado, Madonna diz que não consegue definir o momento em que percebeu que queria ser artista. Ela está na sala de estar dos estúdios Jungle City, com um suéter preto e uma saia floral, luvas Chanel pretas de couro com os dedos vazados e personalizadas com um “M”, pensando no passado.
Era 1978 quando ela chegou em Nova York pela primeira vez, vinda do Michigan, cheia de mágoas e rebeldia e determinação, após a morte da mãe quando ela tinha só 5 anos, e com uma relação conturbada com o pai Tony Living. Ela morava em um apartamento mínimo no modesto bairro Lower East Side, com sonhos de ser dançarina profissional. Uma nova amiga, Angie Smit, pediu a ajuda dela pra formar uma banda.
“Ela era bailarina e tocava baixo, louca pelos Rolling Stones”, lembra Madonna. “Eu disse que não tocava nenhum instrumento, mas ela respondeu: ‘Você poderia ser a cantora’. Eu disse que não cantava, mas nos juntamos e tivemos ideias. Era tudo bem punk, então não precisava tocar nenhum instrumento. Era apenas a ideia e a atitude.”
Era 1979 quando, em Nova York, Madonna fez testes para os produtores do show de variedades de Patrick Hernandez, baseado na capital francesa. Jean Vanloo e Jean-Claude Pellerin viram nela algo de uma estrela nascente e a convidaram para ir à Europa, esperando colocá-la em um estúdio com o DJ Giorgio Moroder. Mas a Ciccone de 20 anos ainda se sentia desconfortável com a ideia de fazer sua própria música.
“Eles estavam impondo tudo pra mim”, diz ela. “Mas ainda não me sentia bem com isso. Então, naturalmente, eu rejeitei. Isso me deu a ideia de que podia fazer música, mas ainda não me sentia capaz, já que não tocava nenhum instrumento e não compunha.”
De volta a Nova York, Madonna agendou com Smit e os irmãos Dan e Ed Gilroy no The Breakfast Club, onde, inicialmente, ela assumiu a bateria antes de, inevitavelmente, chegar à frente do palco. Logo, ela sairia da banda e formou a Emmy, com um amigo do Michigan, Steve Bray. Demos das duas bandas que estavam por aí na Internet revelam uma jovem Madonna servindo aos sons da moda da época – Ska, Blondie, The Pretenders -, mas ainda sem achar sua própria voz.
O que ela aprendeu enquanto esteve em uma banda? Que ela realmente queria ser uma artista-solo?
“Não”, ela enfatiza. “Estar em uma banda te ensina muito sobre musicalidade. Não há jeito melhor de entender arranjos. Como criar uma canção, como se apresentar. Sabe, tenho muita sorte por ter tido esse tempo em bandas como artista desconhecida, para entender o que e como eu queria fazer tudo. Pra mim, esse início foi essencial na construção da minha veia artística.”
Crescendo de maneira mais criativa, juntamente com Bray, Madonna criou as primeiras faixas solo. O produtor Mark Kamins levou as fitas para o Presidente da Sire Records, Seymour Stein, que assinou um contrato com Madonna para dois singles. Daí, quando Everybody e a sucessora Burning Up se tornaram sucessos das pistas, Stein investiu mais em Madonna, resultando na produção do álbum de estreia, lançado em 1983. Mas foi tudo, menos um mar de rosas.
A gravadora Sire a juntou com o produtor Reggie Lucas (Roberta Flack, Phyllis Hyman), mas ela sentiu que os resultados do trabalho estavam bagunçados em termos de sonoridade. Audaciosamente, Madonna insistiu para finalizar o álbum com o até-então namorado, John “Jellybean” Benitez, interrompendo a produção para modernizá-la e melhor defini-la. A revista MOJO aponta que a cantora Kate Bush levou três álbuns até ter total controle de sua música, mas eis Madonna fazendo isso com o álbum de estreia. Para uma desconhecida, foi difícil?
“Bem, não penso se foi difícil ou não”, diz ela, afiada outra vez. “Eu simplesmente sabia como queria soar.”
Igualmente, mesmo quando junto do produtor Nile Rodgers criando o segundo álbum, Like A Virgin (1984), Madonna nunca se sentiu intimidada. “Por que eu deveria?”, argumenta ela, antes do humor mudar de novo e ela ficar brincalhona. “Não, não me senti intimidada por eles. Sou uma garota bem descarada, creio eu.”
Incrivelmente animada, mas, talvez, ainda sem um ponto de apoio, Madonna encontrou sua primeira (e, discutivelmente, maior) alma-gêmea criativa em 1985, quando Patrick Leonard, direto do comando da banda na turnê Victory, dos The Jacksons, foi contratado como Diretor Musical da excursão inaugural dela, a Virgin Tour. Sentindo uma conexão mútua, a dupla começou a compor e produzir canções.
“Ambos somos do Michigan”, nota Leonard, “e parte disso se manifestou na ética de trabalho. Éramos, tipo, operários. Qualquer boa equipe é, geralmente, um yin e yang. Acho que éramos assim.”
Trabalhando juntos no minúsculo estúdio de Leonard em Los Angeles, os dois começaram a criar as canções que fariam parte do álbum True Blue, de 1986. “Sempre tentei encontrar estúdios de gravação isolados de tudo”, diz Madonna. “Afastados, nada extravagantes. Gosto de trabalhar assim com as pessoas, na sinceridade, sem interrupções.”. “Em salas grandiosas, você não foca na música”, nota Leonard. “É possível estarmos mais focados por somente haver espaço pra nós dois e o engenheiro Michael Verdick quando fizemos True Blue.”
Ao lembrar, Madonna reconhece que havia química entre Leonard e ela. “Ele me encorajou a ir fundo e explorar áreas da minha vida emocional que eu ainda não observara.”. Um destaque criativo veio com Live To Tell, composta para a trilha-sonora do filme Caminhos Violentos, do marido de Madonna na época, Sean Penn. Uma balada misteriosa e altamente emocional, que fala de segredos de infância sombrios e revelou uma nova faceta da composição de Madonna. “Pat tem um lado negro”, diz ela, “então isso despertou o meu lado negro.” “É, é justo”, Leonard ri. “Especialmente nesta época, eu era bem sombrio.”
“A faixa foi inspirada no filme”, Madonna explica, “e nos segredos de família e nas coisas que montam a sua personalidade, mas que você não quer compartilhar. Misture isso com a minha própria infância e a minha adolescência. Minhas verdadeiras experiências se misturam com coisas que imagino.”
A canção adicionou consistência à fase imperial de Madonna, quando ela ganhava notoriedade sendo “problemática”, com uma série de sucessos compostos, em sua maioria, por outrem. Havia muita controvérsia nos principais singles da época: Like A Virgin (provocação sexual descarada), Material Girl (ganância), Papa Don’t Preach (escolha entre gravidez na adolescência ou campanha antiaborto). Surpreendentemente, Madonna insiste que não esperava tanta polêmica.
“Não”, ela diz, mexendo a cabeça, “porque eu cresci imersa em literatura e poesia e humor e ironia, e simplesmente presumi que todos tinham o mesmo senso de ironia que eu. Claro, eu estava errada. Não entendia que as pessoas não entendiam a dualidade de tudo; que você pode dizer que era algo que claramente não era, e as pessoas entenderiam a piada. Mas não, elas não entendiam. Literalistas. Os literalistas me incomodaram a vida toda (risos). Morte aos literalistas…”.