Madonna é capa da nova edição da revista TÊTU. Em entrevista, ela diz que o álbum “Madame X” é uma continuação do controverso político “American Life”, de 2003. “Estou assustada. Estou com medo de tantas coisas que acontecem no mundo. Assim como você, como tenho certeza. Mas também sou otimista. Tenho a impressão de que o futuro nunca esteve tão aberto. Espero ter conseguido controlar minha raiva para criar uma músicas cheias de alegria”, diz Madonna ao se referir ao receio de como o mundo, ao mesmo tempo que avança, dá dois passos para trás. “E eu gostaria de, com essas novas músicas, inspirar as pessoas a agir. Porque é isso que temos que fazer com a nossa raiva. Nós não vamos mudar o mundo com fúria. Eu sinto precisamente cada sentimento que você mencionou. E de muitas formas, este novo álbum é, na verdade, uma continuação do American Life.”
TÊTU: Em “Killers Who Are Partying”, você canta “eu serei Israel se Israel for preso / eu serei o Islã, se o Islã for atacado”. O que devemos entender? Que você quer se juntar às minorias?
Madonna: O que Mirwais e eu tentamos dizer nesta música é que nós não vemos o mundo de forma fragmentada, mas como uma unidade. E eu sou parte disso. Eu me vejo como um aspecto da alma do Universo. Eu não vejo o mundo através de categorias e rótulos. Mas a sociedade gosta de categorizar e separar as pessoas: os pobres, os gays, os africanos para nos dá uma sensação de segurança. O que eu digo nessa música é que eu vou incorporar cada caso em que as pessoas tentam nos trancar. Eu estarei na linha de frente. Eu vou levar os socos, o fogo. Porque eu sou um cidadão do mundo e porque minha alma está conectada a todas as almas humanas. Então eu sou responsável por todos. Se uma pessoa sofre, eu sofro. Para mim, cantar é um ato e uma declaração de solidariedade.
TÊTU: Mirwais produziu 6 músicas neste álbum. Como foi a reunião?
Madonna: Nós nunca nos perdemos. Foi ótimo trabalharmos juntos novamente. ‘Killers Who Are Partying’ é a primeira música que criamos. É uma música política, mas tudo o que Mirwais e eu fazemos sempre se torna político, porque é o jeito dele pensar. A guitarra que ouvimos no início da música é uma amostra que gravei durante uma sessão de fado. O som dessa guitarra é exatamente o que eu queria. Senti-me realmente inspirada pela melancolia e pela sensação desta música, ao som de Cesaria Évora, da morna e de Cabo Verde. A autenticidade da música que ouço em todo o lado em Portugal me tocou. Eu queria me apropriar dessa música e torná-la mais moderna. Eu perguntei a Mirwais: “O que você acha que pode fazer com isso? Isso te inspira? Claro, ele realmente gostou.
TÊTU: Na música “Dark Ballet”, você diz “Seu mundo está cheio de dor”. Você não faz parte do “nosso mundo”?
Madonna: Eu não estou dizendo que o seu mundo não é mais meu. Estou apenas dizendo que este mundo onde as pessoas são governadas e dominadas pela ilusão da fama e sorte, dominado e escravizado pelas redes sociais, governado e dominado por opressores que discriminam infinitamente pessoas… neste mundo, eu me recuso a ser uma parte disso. Essa música, “Dark Ballet”, foi inspirada em Joana d’Arc e sua história. É como um ponto de junção. Madame X e Joana d’Arc se reúnem. Falo suas palavras e sua linguagem e digo: “Não tenho medo de morrer pelo que acredito”. E é exatamente isso que sinto.
TÊTU: Um ano atrás, você comentou em um post sobre o aniversário de 20 anos de “Ray of Light” no Instagram de Guy Oseary: “Você se lembra de quando eu podia gravar com produtores do começo ao fim e eu poderia ser uma visionária?”. Você foi liberada para, desta vez, ser uma visionária?
Madonna: Eu acho que você está tirando as coisas do contexto delas (o assessor entra e diz: “Não está claro. Você tem outra pergunta?”, Mas Madonna continua.) Eu não lembro exatamente o que escrevi neste momento. Mas eu não estava criticando Guy Oseary. Ninguém me proíbe nada. Sim, as pessoas me criticam, mas ninguém me proíbe de ser uma visionária. Mas as pessoas costumam me avisar e dizer “tenha cuidado” (ela move o dedo de cima para baixo, como fazemos com uma criança).
TÊTU: Você acha que esse álbum vai abalar a indústria da música?
Madonna: Eu não usaria essa palavra para descrever minha música. Provocante, conflitante, emocional, apaixonada: aqui estão as palavras que eu usaria. E inspiradora também, assim espero.
TÊTU: Em “I Rise”, podemos ouvir uma amostra do discurso de Emma Gonzales, um dos sobreviventes do tiroteio da escola Parkland que se tornou um ícone da luta contra as armas. Você acha que inspirou essa geração?
Madonna: Eu espero que sim. É o que estou procurando. Eu vejo Emma como porta-voz e pioneira de sua geração. Eu continuo fazendo o que sempre fiz. Eu luto pelo direito das mulheres e todos os seres humanos em geral. Eu luto por igualdade.
TÊTU: Em “Medellin”, o primeiro single do álbum, você parece se lembrar da sua estreia aos 17 anos. O que você acha da sua carreira?
Madonna: Eu acho que fiz muita merda! (ela ri). Isso é verdade. Tenho a impressão de ter quebrado muitos limites para as mulheres que vieram depois de mim. Mas sei que nossa luta está longe de terminar. E para ser sincera, tenho a impressão de que ainda luto pelas mesmas coisas hoje.
TÊTU: “Like A Prayer” foi lançado há 30 anos e causou polêmica. Você está tentando reproduzir essa controvérsia hoje?
Madonna: Honestamente, quando eu escrevi “Like A Prayer”, eu não sabia que a música causaria tal controvérsia. É o vídeo que chocou as pessoas: o fato de eu beijar um santo negro, que eu danço na frente de cruzes em chamas … as pessoas viram isso como um sacrilégio. Mas eu não pensei por um segundo que isso seria visto assim. Tudo isso foi muito controverso, mas não foi minha primeira intenção. Porém, desta vez, eu sou subversiva propositalmente!
TÊTU: A provocação sempre foi uma maneira de você chamar a atenção das pessoas sobre assuntos importantes como direitos LGBT +, racismo, mulheres … Mas hoje, você acha que os conservadores estão usando a provocação como forma de espalhar sua mensagem?
Madonna: Me dê exemplos!
TÊTU: Pessoas como Trump ou Marine Le Pen…
Madonna: Se você é uma pessoa de mente estreita e quer usar a provocação, então será a sua mensagem. Tudo depende da intenção do provocador. (Risos) Eu não sou uma pessoa de mente estreita. Eu não sou provocativa para derrubar pessoas e erigir fronteiras ou para dizer a elas “fique onde você está”. Eu estou no oposto disso. Destruir com provocação não é minha intenção.
TÊTU: Você se sente conectado aos seus fãs LGBT +? Você reivindica o status de ícone gay?
Madonna: Eu acho estranho dizer que eu sou um ícone. Tenho a sorte de ter voz e poder usá-la para lutar pelos direitos daqueles que são menos ouvidos. Eu acho que a palavra “ícone” é uma palavra que as pessoas podem me dar, mas eu não posso reivindicá-la por mim mesma. Você acha que eu sou um ícone?
TÊTU: Você é a definição da palavra
Madonna: Se a Têtu pensa que eu sou um ícone, então eu sou um ícone!
TÊTU: Este álbum é uma homenagem à sua vida em Portugal?
Madonna: Você ouviu isso. Acha que prestei homenagem a Portugal e ao Fado? Não só ao fado. Há muitas influências que tomei desde que moro lá. Mas obviamente este é o lugar onde o álbum nasceu. Mesmo que existam outras influências, este álbum é a expressão do tempo que passei em Portugal. Eu tenho uma casa lá e vou lá com muita frequência. Meu filho está jogando futebol no clube Benfica. Mas você sabe, eu moro em aviões. O céu é minha casa, (Risos). Espero que meu português seja bom. Eu tive um bom treinador, Dino D’Santiago. Ele me ajudou muito e me apresentou a músicos incríveis. Ele foi essencial para a criação deste álbum.
TÊTU: Não conhecemos bem Dino D’Santiago, você poderia nos contar mais sua colaboração com ele?
Madonna: Ele era uma espécie de interface. Ele é de Cabo Verde e a maioria dos músicos de Cabo Verde com quem trabalhei não fala inglês. Ele estava comigo no estúdio quando estávamos gravando e estava dizendo o que eu queria. Ele me ajudou musicalmente a dar vida a essas músicas porque eu não tinha outro jeito de me comunicar com elas. Bem .. de certa forma eu fiz com a música. Nós escrevemos uma música chamada Fuana que será uma faixa bônus.
Eu tenho outra música chamada Ciao Bella, que não está na versão deluxe do álbum. O cantor Kimi Djabaté, que vem da Guinée-Bisau, canta nesta faixa. Mais uma vez, é o Dino quem me apresentou a ele. Quando ele veio gravar para este álbum, ele não falava inglês. Apenas créole. Dino foi o tradutor e realmente me ajudou. Quando gravei Killers Who Are Partying e Extreme Occident, que são influenciadas pela Morna, enviei-os a ele para ter seus feedbacks. Eu queria saber se ele estava sentindo a autenticidade dessas músicas. Sua aprovação foi muito importante para mim.
TÊTU: Como você escolhe as pessoas com quem você colabora, como Maluma, por exemplo?
Madonna: Isso acontece de uma maneira muito orgânica. Todas as minhas colaborações são decididas quando encontro as pessoas. Compartilhamos uma taça de champanhe, nos damos bem e conversamos sobre as coisas que poderíamos fazer juntos. Para dizer a verdade, não há nada realmente profundo nisso. É muito instintivo. Eu sou fã de cada pessoa com quem colaborei.
TÊTU: Você trabalhou muito com os franceses: Jean-Paul Gaultier, JR, Martin Solveig, Mirwais … o que está conectando você a eles?
Madonna: Sim! O que é essa conexão com os franceses? É como se eu não pudesse me livrar deles (risos). Eles são os autores das minhas maiores colaborações. Mondino, Gaultier, Mirwais… Eu acho que os amo porque são muito… Têtu (significa teimosa). Eles se levantam para mim. As pessoas que você mencionou são pessoas muito intelectuais, extremamente criativas, muito cultas. Nós compartilhamos uma bela sinergia. (Ela bate o copo na mesa e grita “Água por favor!”. Todo mundo pula e aponta o dedo para uma fotografia e grita “quem deixou os paparazzi entrarem? Quem é você? Eu conheço você?”. O fotógrafo pára, assustado. “É Ricardo, o fotógrafo oficial de Madonna”, diz o assessor. Todo mundo ri.)
TÊTU: No álbum, você canta em português e em espanhol. É uma maneira de desafiar a hegemonia do inglês na cultura pop?
Madonna: Isso é exatamente o que é! Eu gosto da ideia da música mundial. Eu odeio compartimentos. Nós não queremos fazer isso com as pessoas, por que deveríamos fazer isso com música? Eu gosto de ligar o rádio em Nova York e ouvir as pessoas cantando em espanhol, pegar meu carro em Lisboa e ouvir reggaeton ou dancehall. É ótimo. Usar outras linguagens foi um desafio, mas você deve ter notado que eu gosto de desafios.
O álbum “Madame X” será lançado dia 14 de junho. (Tradução: rainhamadonna)