A consciência que um urubu não come

A lata de lixo nem sempre é de lata, mas se for de lixo, é de lixo. Não serve pra mais nada no mundo, especialmente depois de ter sido inaugurada para tal fim. O lixo é o fim de carreira de todo material orgânico e inorgânico, símbolo do desprezo humano. Mas, como tudo na vida é subjetivo, o que é lixo para uns pode ser sobrevivência para outros. Quem já viu o curta metragem maravilhoso ‘Ilha das Flores’, do diretor Jorge Furtado, encontrável facilmente na rede, sabe do que estou falando.

Tenho uma relação conturbada com o lixo. Não é o caso de abrir uma comunidade no Orkut, mas odeio quando encontro o lixo sem saco plástico. Odeio jogar uma casca de banana direto no fundo da lata, sem nenhuma proteção. Pior que isso, só encontrar o lixo abarrotado, caindo pra fora, jogando lixo em você justamente quando você queria jogar algo nele. E você que nunca me viu ficar irritado assistindo de camarote ‘vagalumes’ jogando lixo pela janela de algum ônibus – melhor nem ver.

Estes eram meus problemas estruturais até que o mundo das embalagens e dos deliveries trouxeram uma nova situação: as caixas de pizza. A caixa de pizza não cabe nem no lixo que fica do lado de fora, a não ser que se dobre a caixa mal fechada, deixando cair a azeitona, os folhetos da pizzaria e o último caroço de azeitona. Aliás, eu odeio azeitona e cebola… E quando alguém joga as caixas de pizza mal dobradas junto com copos plásticos e embalagens PET, o lata fica inoperante, atoladinha e aí, é o fim do lixo.

Lidar com o lixo é a demonstração mais profunda do grau de cidadania de cada ser humano. Se você embrulha determinados itens em outros papéis ou saquinhos para não causar espécie no contato visual, se você se preocupa com arestas e coisas que podem cortar ou furar os funcionários (mesmo de luva) que vão levar o lixo, se você guarda papéis para serem jogados nos lugares certos quando você não encontra o lixo, se tem lixinho no carro, se carrega um saco plástico quando sai com seu cachorro. É neste fim de carreira invisível, fim de linha imperceptível que demonstramos silenciosamente quem somos, o que pensamos, como vivemos e o sentimento que temos para o com o próximo. Porque o lixo não desaparece por mágica. Há um longo caminho entre o lixo do seu banheiro, da sua cozinha, da casa ou do apartamento até o aterro sanitário. Há muito trabalho, muita gente, muitas vidas. Quem não pensa em nada disso e simplesmente joga tudo fora do pequeno raio de ação de sua consciência é que é o maior lixo do mundo. Lixo mesmo é a falta de consciência. Essa, nem urubu come.

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