Madonna conversou com o jornal LA Times por telefone, de casa em Nova York, onde acabara de começar a jantar: “Espero que não se importe por eu estar comendo. É sopa de batata com milho. Boa demais.”.
LA TIMES: ENQUANTO CONVERSAMOS, REBEL HEART ESTÁ NAS LOJAS FAZ UM MÊS. LANÇAR UM ÁLBUM PARECE O FIM DA CORRIDA OU SÓ O COMEÇO?
Madonna: Oh, meu Deus, é o começo. Bem, sabe de uma coisa? Não é o começo. O começo foi o começo. É o meio.
A ROTINA DE PRODUÇÃO DE UM ÁLBUM É MUITO MAIS INTENSA HOJE DO QUE HÁ UMA DÉCADA OU DUAS. VOCÊ DEVE TRABALHAR MUITO MAIS, COM MENOS TEMPO.
Há muito mais produtos no mercado, e há tantas formas das pessoas ouvirem música, seja no iTunes ou SoundCloud ou Youtube, enfim… Então, a combinação da tecnologia e todo o… Que palavra devo usar? Não quero dizer “talento”, necessariamente, pois nem tudo é talento.
COMPETIÇÃO?
Será competição? Não acho que seja a palavra certa, pois não faço música como todo mundo. Mas, sim, se você lança um disco no mesmo dia em que outro grande artista Pop, provavelmente será considerado competição. Não se engane, quem ficar em primeiro ou segundo, não está perdendo nada com isso.
É COMPETIÇÃO PARA ATRAIR A ATENÇÃO DAS PESSOAS, EU ACHO.
Isso mesmo! Faz parte, é proposital.
VOCÊ DISSE À ROLLING STONE RECENTEMENTE QUE SENTE FALTA DA ANTIGA SIMPLICIDADE DA INDÚSTRIA DA MÚSICA.
Claro que sim! Quem não sentiria?
O QUE ERA MAIS SIMPLES?
Eu gravei uma demo, levei a uma boate, dei a um DJ, ele tocou, as pessoas dançaram, um executivo estava lá, me contratou, eu gravei um disco. Daí, minha canção – se todos gostassem, eu torcia – chegaria às rádios. Era simplesmente mais simples. Não havia Twitter, Facebook e Snapchat. Mesmo antes da MTV, havia apenas os shows ao vivo e as rádios, e só.
VOCÊ TAMBÉM NÃO PASSOU POR SITUAÇÕES NAS QUAIS METADE DO SEU DISCO VAZOU ANTES DO LANÇAMENTO.
Metade? Você quer dizer todo o álbum. Ou praticamente todo, em várias encarnações. Faz parte da tecnologia, que talvez aproxime demais as pessoas.
QUANDO ISSO ACONTECEU, VOCÊ FOI FRANCA SOBRE O QUÃO INVASIVO PARECEU. TRÊS MESES DEPOIS, ESTE SENTIMENTO DIMINUIU?
Oh, não, ainda está bem recente na minha mente, e ainda estou muito chateada.
VOCÊ NÃO ACHA QUE O ÁLBUM OFICIAL SUPEROU O VAZAMENTO NA CABEÇA DAS PESSOAS?
Acho que a mente deles foi contaminada pelo que ouviram. E por eu estar sendo hackeada continuamente – com todas as diferentes versões de todos os produtores com quem estava trabalhando, em todos os estúdios diferentes –, eu comecei a duvidar de tudo. Tive uma ansiedade extrema.
Na verdade, eu gostava de algumas demos; gostava da simplicidade delas. Mas, aí, as pessoas comentavam: “Oh, mal posso esperar pra ouvir a versão final”. Eu pensei: “Bem, e se esta for a versão final?”. Daí, outros diziam que gostavam das demos de outras produções minhas. Algumas versões demos já seriam as finais (não direi quais), mas aí nos reunimos e decidimos mudar algumas faixas. Rebel Heart seria bem mais calmo. Por causa dos vazamentos, algumas coisas que foram pra versão final, algumas foram contra o que eu realmente queria. Sem contar que atrapalhou todo o planejamento que estava montado. Não tive tempo de promover meu primeiro single antes e o resto todos já sabem. Foi um grande desapontamento tudo o que houve.
De certa forma, foi como fazer a pré-estreia de um filme. Passei por isso com o último filme que dirigi, no qual os comentários do público realmente pesaram e deram a (o produtor) Harvey Weinstein o direito de dizer: “Se você mudar X, Y e Z no seu filme, eu gastarei mais dinheiro no Marketing”. Mas não é esse filme que quero fazer. Portanto, do ponto de vista do processo artístico, eu fiquei arrasada. E ainda estou.
ESSA COISA DE GRUPO DE FOCO QUE VOCÊ DESCREVE PARECE ALGO CHATO.
É chato, mas se você começar a ouvir sempre as mesmas coisas, você começa a pensar: “Bem, talvez haja alguma verdade nisso. E, mesmo que eu não queira ouvir, devo prestar atenção”.
No fim das contas, devemos ficar sozinhos pra trabalhar e finalizar nossas pinturas, por assim dizer, e, quando estivermos prontos pra mostrar nosso trabalho, assim o faremos. Claro que você convida pessoas confiáveis para opinar – seus colegas ou pessoas cujas opiniões você respeita – e você diz: “O que acha?”. Às vezes, você ouve coisas que não quer ouvir. Mas o que é estranho é quando o mundo todo, e todo mundo, começa a pesar. Eu realmente tentei isolar tudo e não ouvir o que as pessoas diziam. Mas sou humana, apesar de tudo.
OUTRA COISA QUE MUDOU NA INDÚSTRIA DA MÚSICA É O PAPEL DO PRODUTOR. CARAS COMO DIPLO E KANYE WEST SÃO MUITO MAIS VISÍVEIS DO QUE ANTES; ELES CULTIVAM AS PRÓPRIAS MITOLOGIAS. ISSO ATRAPALHA O SEU TRABALHO?
Até que não. Ambos têm fortes opiniões e ideias de que som as coisas devem ter, mas eu também. E acho que todos concordamos em trabalhar uns com os outros por termos um respeito mútuo. E havia uma cláusula no contrato que dizia para não necessariamente concordarmos em tudo. Mas eu certamente senti que Kanye contribuiu muito bem à produção das canções em que trabalhou. E Diplo, eu passei muito tempo com ele. Gosto de como ele ouve música; ele mistura vários gêneros diferentes.
MAS NINGUÉM QUERIA OUVIR O QUE PATRICK LEONARD OU MIRWAIS TINHAM A DIZER EM SEUS DISCOS PASSADOS. NESTE, HÁ UM POUCO DO KANYE NA MÚSICA.
Mas essas pessoas não eram personalidades. Kanye é um artista próprio, assim como Diplo. Mirwais é muito tímido nos bastidores, que nem tem uma conta no Instagram. E Pat Leonard – quer dizer, ele deve estar no Instagram, não sei. Mas, naquele tempo, isso não existia. Eles são compositores e produtores de bastidores, não artistas independentes, enquanto Diplo, Avicii e Kanye e muitos outros com quem trabalhei são.
BEM, EXATAMENTE. ESTE PARECE SER UM NOVO MÉTODO SEU.
Houve vantagens e desvantagens. É óbvio que a vantagem de trabalhar com estas pessoas é poder colaborar com eles e conectar-se à forma com que eles olham, ouvem, sentem e criam música. A desvantagem é que eles são muito ocupados, então fazê-los ficar no estúdio por mais de oito horas – mais de seis horas! – foi difícil. Eles ficam por toda parte: cheios de tarefas, eventos de tapete vermelho, “Ops, tenho meu evento de DJ agora”. Tive que compartilhar. Às vezes, me sentia uma criança batendo o pé, dizendo: “Onde acha que vai? Ainda não terminamos a música!”. Eu me vi barganhando com eles.
ACREDITO QUE FOI COMO UM LIVRO DE ROMANCE.
Foi sim. Diplo me disse: “Você é a única artista com quem fico no estúdio. Com todos os outros, eu só envia coisas”. Uau, beleza, muito obrigada.
UM RESULTADO DESTAS VÁRIAS COLABORAÇÕES É QUE O ÁLBUM REALMENTE ABRAÇA UM SENSO DE CONTRADIÇÃO, AINDA MAIS DO QUE SEU TRABALHO. HÁ MOMENTOS EM QUE VOCÊ VAI DIRETAMENTE DE UMA EMOÇÃO À OUTRA QUE PARECE EXATAMENTE O CONTRÁRIO.
Pode dar um exemplo?
IR DE JOAN OF ARC A ICONIC. HÁ REALMENTE DOIS LADOS DA MOEDA.
Uma dualidade. Um paradoxo.
UM PARADOXO, CERTO.
Bem, a vida é um paradoxo.
E É ALGO QUE VOCÊ QUER CAPTURAR EM SUA MÚSICA.
Sim. Pois acho que é a essência da vida. Não é tudo preto no branco; vivemos no cinza. E, infelizmente, todo mundo leva tudo muito a sério. Posso ser tão vulnerável quanto durona, mas não tiro essa como minha qualidade singular; acho que outros podem ser assim também. Só depende de você expressar ou não.
ÀS VEZES, VOCÊ JOGA ESSA DUALIDADE EM UMA MÚSICA – S.E.X., POR EXEMPLO. PRA MIM, ELA SOA COMO UMA PERSONIFICAÇÃO E UMA CRÍTICA. AS PALAVRAS SÃO OBSCENAS E A BATIDA DESLIZA. MAS HÁ ALGO ESTRANHAMENTE IMPASSÍVEL NA SUA VOZ.
É algo isolado.
QUAL A MENSAGEM DESTA CANÇÃO?
É meio que um comentário social a respeito de como todo mundo se joga na pegação hoje em dia, sem intimidade. Quando produzi meu livro SEX, eu estava sendo incrivelmente irônica, mas também dizia: “Olha, não é função apenas do homem despersonalizar uma mulher – uma mulher também pode se despersonalizar”. Na canção S.E.X., quando faço meio que um rap no meio e faço a lista, mudei minha forma de falar. Volte e ouça, foi pra ser irônico – mesmo havendo objetos bem úteis naquela lista.
HOLY WATER FAZ ISSO TAMBÉM. HÁ MUITO DUPLO SENTIDO.
Neste momento, todas as minhas músicas sobre sexo devem ter humor. Não há outro jeito. Pela exploração sexual ter ocupado grande parte da minha carreira, sinto que quis falar disso, mas quase de forma voyeurística, como se estivesse do outro lado, olhando de fora.
DE CERTA FORMA, ESSAS MÚSICAS NEM PARECEM INTERESSADAS NO PRAZER. S.E.X. É SOBRE QUEBRAR A CAMA, MAS VOCÊ NÃO PARECE ESTAR SE DIVERTINDO.
Hmm.
HÁ UMA CERTA SOLIDÃO, QUE SUPONHO SER O VOYEURISMO.
Não acho que o amor esteja envolvido. Mas lembre-se de que eu gravei com Kanye, e ele tem uma opinião bem clara sobre sexualidade, a qual eu acho incrível. Não é pra ser sexy.
E SE UM OUVINTE NÃO ENTENDER ISSO?
Bem, encaremos: há muitas sutilezas na vida que são difíceis de serem entendidas pela maioria das pessoas, não acha?
JOAN OF ARC TAMBÉM É UM RISCO, SOBRE A SECRETA BATALHA DE UMA POPSTAR, COM A QUAL MUITOS ACHAM DIFÍCIL DE COMPADECER.
Eu certamente não a compus do ponto de vista de uma vítima.
MAS VOCÊ SABE QUE ALGUMAS PESSOAS DIRÃO: “OH, TADINHA”.
Bem, não ligo pro que dizem. A canção diz que, embora me vejam como uma super-heroína ou alguém imune às críticas, há momentos em que os comentários das pessoas me magoam. E há outros em que uma palavra de gentileza pode mudar tudo pra mim. É apenas a verdade. E se as pessoas tiverem algo contra isso, é o direito delas. Admiro a convicção que Joana D’Arc tinha. Embora saiba que ela teve momentos de terror e dúvida, admiro o fato dela ter se mantido fiel ao que acreditava. Queria poder sempre ser assim.
É VERDADE? PORQUE SE FOR…
Porque se importar com o que as pessoas pensam é a morte de todos os artistas!
ENTENDO. MAS ALGUNS DOS MOMENTOS MAIS EFICAZES NESTE DISCO SÃO OS MAIS VULNERÁVEIS. QUAL A DIFERENÇA ENTRE SE IMPORTAR COM O QUE AS PESSOAS DIZEM E SER VULNERÁVEL?
Vulnerabilidade significa ter sentimentos, significa que você sente, que você tem empatia e compaixão, e não é um sociopata. A vida é confusa se você não é um artista ou uma celebridade famosa. Você acrescenta este ingrediente e é muito confuso. Mas também acho que Joan Of Arc não é necessariamente sobre os desafios e tribulações de ser famosa. Talvez todos os seres humanos possam se conectar a ela.
MAS SER FAMOSA DÁ À CANÇÃO UM PODER SINGULAR. VOCÊ FALA DA EXPERIÊNCIA DE TER ESTRANHOS ACHANDO QUE ENTENDEM SUA VIDA POR ESTAREM A PAR DE CERTOS ASPECTOS PÚBLICOS. MAS TALVEZ ISSO NÃO TE INCOMODE MAIS.
A questão é que fui observada e mal-interpretada por mais de 30 anos. Às vezes, penso nisso; outras, não. Às vezes, isso aparece em meu trabalho; outras, não. Às vezes, quero falar sobre isso; outras, não quero dizer nada.
ISSO DETERMINA ATÉ QUE PONTO VOCÊ COMPÕE LETRAS QUE POSSAM SER DECIFRADAS?
Às vezes, gosto de ser mais misteriosa, e não tão específica. Quero ser assim sobre sentimentos, mas não quero que as pessoas liguem os pontos e comecem a fofocar. Gosto da ideia de que você pode compôr uma canção sobre mágoa ou desejo ou paixão, e, apesar de ser específica pra você, outros podem se conectar a ela e dizer: “Sei o que é isso”.
CLARO. MAS DAÍ EU OUÇO UMA CANÇÃO COMO UNAPOLOGETIC BITCH, QUE NOS CONVIDA TOTALMENTE A ESPECULAR SOBRE QUEM VOCÊ ESTÁ FALANDO.
Às vezes, você tem que fazer isso. Especialmente quando a canção tem essa linha de baixo louca.
O BAIXO OBRIGOU VOCÊ A FAZER ISSO.
A culpa é do baixo.