Por Jon Pareles, do New York Times
Madonna estava correndo para cobrir o atraso de uma hora para a entrevista na casa dela no bairro Upper East Side. Ela parecia nervosa quando se desculpou: “Estou atrasada pra tudo ultimamente”. Ela contou também que vem correndo desde dezembro, quando um hacker, um suspeito israelense, vazou canções não-finalizadas do novo álbum Rebel Heart. A resposta imediata de Madonna foi o lançamento de seis canções concluídas e melhoradas, que voaram ao Top 10 em todo o mundo.
Ela também trabalhou freneticamente para terminar o resto do álbum, lançado na última terça-feira (10). Ele é familiar – cheio de amor, dança, poder, blasfêmia e provocação – e atual, feito com vários colaboradores e ajustado por muitas mãos sob a constante supervisão de Madonna.
“Eu quis pensar nas coisas, escolher tudo mais lentamente durante todo o processo”, disse ela. “Daí, fui forçada a terminar tudo, e, agora, estou tentando atualizar a mim mesma. O que começou como uma experiência revigorante, alegre e produtiva evoluiu para algo muito louco. Um processo artístico estranho, mas um sinal dos tempos. Somos todos digitais, somos todos vulneráveis e tudo é instantâneo – demais! Sucesso e queda instantâneos. Descobertas, destruições, construções instantâneas. É tão esplêndido e maravilhoso quanto devastador. Honestamente, pra mim, é a morte de um artista, de várias formas”.
Conversamos na sala de estar, onde via um quadro de Fernand Léger acima da lareira. Uma grande mesa de centro, cheia de livros e pastas de fotografias que Madonna vem usando como pesquisa para o próximo projeto cinematográfico, baseado no romance The Impossible Lives of Greta Wells. Imponentes sofás cor de creme estão ao lado da mesinha, mas Madonna preferiu sentar no chão.
Para a entrevista, ela correu pra casa após uma prova de roupa para apresentações futuras: “Estou com metade do figurino”. Ela estava de preto, com sapatos estilizados, meia-calça com padrão de diamantes, shorts pretos, uma blusa de botões e uma jaqueta com penas pretas brotando dos ombros. As unhas estavam pretas e com glitter, além de pequenos brincos prata de crucifixos e um anel em formato de caveira em um dedo.
Madonna tem apresentado o single Living For Love em premiações, usando um figurino de “Matador” e rodeada de homens sem camisa e com chifres de touro. No dia 25 de fevereiro, ela levou um tombo feio em Londres, no Brit Awards – o equivalente britânico ao Grammy. Um dançarino devia puxar a capa dela, mas estava apertada demais e ela foi puxada pelos degraus, batendo a cabeça no chão. Segundos depois, ela levantou e continuou dançando: “Não senti nada na hora. Só lembro de cair de costas e bater com a cabeça. Mas eu senti tanta adrenalina e foi tão de repente, que continuei. Voltei pro palco e segui com a apresentação. Se eu não estivesse em boa forma, não teria sobrevivido à queda, mas sou forte. Sei como cair – eu monto cavalos. E eu tenho uma força enorme, e sei que foi isso que me salvou. Isso e meus anjos da guarda. Acredito que haja o mundo físico e o metafísico, e que eles estão interligados – no Céu e na Terra. Então, acho que ambos trabalharam pra me proteger”.
Rebel Heart, como a maioria dos álbuns de Madonna, soletra seu conceito diretamente. Originalmente, ela planejara um álbum com duas metades, uma dualidade “Rebelde” e “Coração”. “Um aspecto seria uma representação do meu lado mais rebelde e provocante. E o outro seria o lado mais romântico e vulnerável”, afirmou ela. O álbum finalizado não foi dividido assim; ele alterna emoções. É algo raro para Madonna, mas ele também remete ao passado. Veni, Vidi, Vici constrói uma autobiografia triunfante com títulos de canções dela.
“Não gosto de focar no passado, mas pareceu ser o momento certo de fazer isso. Após três décadas, o indivíduo tem que olhar pra trás, pois há muitos momentos em que paro e penso: ‘Uau’. Penso em todas as pessoas que conheci, com quem trabalhei, meus amigos, colaboradores; de Basquiat a Michael Jackson, a Tupac Shakur. Eu sobrevivi e eles, não. Pra mim, pensar nisso é estranho. Pareceu um momento em que eu quis parar e olhar pra trás. É meio que uma culpa por ter sobrevivido. Como eu consegui e eles, não?”.
Outra canção, a balada Joan Of Arc, confessa que Madonna não é impenetrável, e que já passou por muitos momentos ruins ao longo dos anos. “Sempre admirei a história de Joana D’Arc e o que ela simboliza, a convicção dela. Ainda não cheguei lá. Todos pensam que eu sou impenetrável e super-humana, e, talvez, seja assim mesmo se você durou mais de três décadas. Mas, claro, não é verdade. Acho que tentei expressar isso”.
O álbum estava sendo produzido há um ano e meio. Quando ela começou, Madonna só quis tirar um tempo pra compor. “Neste trabalho, você começa a se sentir um ratinho na roda. As pessoas esperam coisas de você, e eu espero de mim mesma. Desde a adolescência, sempre estive em um estado criativo, como na criação de coreografias ou composições. Me senti esgotada”.
Ela decidiu dividir o tempo entre o roteiro de Impossible Lives e as composições. O empresário Guy Oseary sugeriu que ela trabalhasse com Avicii, o produtor sueco de 25 anos com sucessos mundiais como Wake Me Up, e a equipe dele.
Madonna criou seus melhores álbuns colaborando primariamente com um produtor por vez: William Orbit em Ray Of Light, Nile Rodgers em Like A Virgin, Patrick Leonard em Like A Prayer. Mas a conexão com Avicii conduziu à metodologia prevalente no século 21 de se ter múltiplos colaboradores trabalhando e retrabalhando canções: Kanye West; Diplo, que já trabalhou com M.I.A. e Skrillex; Ariel Rechtshaid, que trabalhou com Usher, Haim e Vampire Weekend; DJ Dahi, que produziu Drake e Kendrick Lamar; e muitos outros.
“Eu não sabia exatamente no que me metera. Um processo simples se transformou em algo muito completo. Todos com quem trabalhei são tremendamente talentosos, sem dúvida. Mas todos eles também concordaram em trabalhar com milhares de pessoas. Eu entrava onde cabia.”
Mas Madonna insistiu em colaborar no que ela chamou de “jeito clássico” – nada de distribuir faixas a serem polidas para aprovação futura, mas lhes dar forma pessoalmente. “Eu nunca saio do estúdio. Às vezes, acho que os enlouquecia. Tipo: ‘Você não tem que ir ao banheiro? Não tem que ir a outro lugar? Não quer ir fazer umas ligações’”.
Toby Gad, um produtor que também compôs com Beyoncé, trabalhou em 14 canções com Madonna; sete delas, incluindo Joan Of Arc e Living For Love, entraram no álbum. “Na primeira semana, ela estava bem intimidadora, foi como a fase de testes. Você tem que criticar, mas sem ofender. Mas ela também gosta de honestidade, de críticas duras e reais. Tudo funcionou muito bem e ela se tornou mais gentil”, disse ele.
Rebel Heart pode bem ser o álbum mais diverso de Madonna, no compasso gospel de Living For Love, a provocante Bitch, I’m Madonna, as baladas Ghosttown e Heartbreak City, a ardente Best Night, o reggae de Unapologetic Bitch e a divertida Body Shop, com o duplo sentido automotivo nos acordes de uma cítara. As canções se transformam ao longo do disco, entre versos e refrões. As produções de Mr. West se misturam ao ritmo escasso e abrasivo das batidas com refrões grudentos. “Essa sou eu”, disse uma sorridente Madonna. “É aí que eu entro. É um casamento interessante de ambas as nossas estéticas”. Mr. West e ela também compuseram uma canção pro próximo álbum dele, segundo ela.
Aos 56 anos, Madonna é destemida, frente a um mercado Pop obcecado com juventude. “Não acho que os artistas pensem na idade quando estão criando, né? Só penso nisso quando os outros mencionam ou tentam me limitar, dizendo: ‘Você tem essa idade e blá, blá, blá…’”.
A resposta dela, como sempre, é a perseverança. “Por ter sido marginalizada como mulher em um mundo dominado por homens, e por estar em uma indústria sexista ou um mundo sexista, eu sempre tive que superar ou resistir a tudo. Acho que nunca me tranquilizei, se é que me entende. Então, por esse motivo, não digo que foi fácil. Pra mim, tem sido difícil desde o primeiro dia”.