Madonna está chegando, mas parece que nunca saiu de perto da gente. São 25 anos de uma carreira rigorosamente reinventada. Recém-separada, mãe de três crianças e no topo do ranking de mulher mais rica do mercado musical, ela vai continuar esgrimando o tempo. Será esse o segredo para ela ser mito aos 50 anos e de várias gerações? Rita Lee, o diretor de arte Giovanni Bianco e o estilista Dudu Bertholini dão aqui a sua opinião*
Madonna tem a mesma idade de Michael Jackson e Prince. É mais nova que Tina Turner e Cyndi Lauper, e mais velha que Britney Spears e Amy Winehouse. Adivinha qual desses artistas do mundo pop chegou mais longe e consegue se manter no auge apesar da crise do mercado fonográfico, das músicas que são baixadas de graça da internet, dos amores desfeitos ou refeitos, das rugas e dos escândalos públicos? Qual deles, afinal, consegue se reinventar a cada disco? Madonna Louise Ciccone Ritchie.
Americana da provinciana Bay City, no Michigan, a cantora de 50 anos começou a ser comentada quando o videoclipe ainda engatinhava e hoje tem uma fortuna estimada em US$ 600 milhões, boa parte dela vinda de suas históricas turnês.A atual, aliás, passa pelo Brasil neste mês. Chama-se ‘Stick & Sweet’ (algo como Melado & Doce) e tem como base o 11o disco de sua carreira, ‘Hard Candy’ -fora singles, trilhas etc. Só a base, já que ela reinventa clássicos como ‘Into the Groove’ e ‘La Isla Bonita’. Os cinco shows acontecem nos dias 14 e 15, no Maracanã (RJ), e 18, 20 e 21, no estádio do Morumbi (SP). O momento é ótimo para assisti-la ao vivo. Primeiro porque será incrível conferir sua invejável forma física de perto (ou usando binóculos). Depois, ela acabou de se separar do marido de sete anos, pai de dois de seus filhos, o cineasta britânico Guy Richie, dez anos mais jovem. A separação não foi nada elegante. Acusações de homofobia (por parte dele), obsessão pela forma e certa paranóia com o passar dos anos (por parte dela), traição (dela), briga pela guarda dos meninos (ambos) e por dinheiro (a fortuna dela é oito vezes maior que a dele). Nada confirmado, mas a cada semana tem novidade, verdadeira ou falsa. Para completar, Madonna vem soltando piadas ácidas em seus shows. Vai perder?
Mas que mulher é esta que sai loura e musculosa de crises como esta? A folha corrida: já foi taxada de ‘depravada’ e ‘sórdida’; simulou sexo oral com uma garrafa em’Na Cama com Madonna’; questionou sexo ortodoxo em videoclipes e shows; e, para arrematar, foi citada pelo célebre escritor Norman Mailer (1993-2007) como ‘a maior artista viva’. Uma roqueira, um diretor de arte e um estilista tentaram traduzir essa mulher.
1990 Patrick Demarchelier foi um dos muitos fotógrafos de primeira linha que conseguiram capturar um pouco da alma camaleônica da estrela (aqui); perceba a diferença radical de estilo da cantora
em apenas cinco anos (acima) |
Ela deve sofrer de solidão criativa’ – Por Rita Lee, cantora e compositora. Ou, como ela se define, Vovó Ritinha
‘É pra falar de Madonna? Então vamos botar a mão na massa dela já. Mick Jagger já tem mais de 60 anos e está aí para provar sua força. Mas cada macaco no seu galho. Jagger influencia os véios a se cuidarem para alcançar aquela vitalidade de faraó, enquanto Madonna se mantém ‘jovem’ graças aos tonéis de carvalho das plásticas milagrosas e muita sintonia com os jovens planetários que fazem música também.
Como todo mito, tenho a impressão de que Madonna deve sofrer de solidão criativa. Claro que ela sabe se promover e cutucar a mídia, só que é um pouco marqueteira demais para o meu gosto. Na parte musical, ela se cerca dos melhores autores, produtores e arranjadores que existem no planeta. É quase impossível achá-la ruim, pois sempre se nota nos seus discos um trabalho fantástico de timbres, refrões que grudam, melodias inesperadas. Ao vivo, eu só fico implicando com aqueles eternos bailarinos no palco parecendo a Broadway dos pobres.
Eu era bem mais fã de Madonna do que hoje. Mas, depois que ela aprendeu a caçar pombos com o ex-marido [o cineasta britânico Guy Ritchie], falar com sotaque inglês e se dizer grande conhecedora da cabala, a minha admiração ficou meio abalada. Musicalmente, a fase que mais gosto é a do álbum ‘I’m Breathless’, que ela gravou como trilha sonora para o filme ‘Dick Tracy’. E, de todas as suas provocações, adorei o livro ‘Sex’, em que ela aparece nua num monte de fotografias.
Nesse lance de idade e de ainda ser um furacão, penso que Madonna se sente segura apesar de, repito, sofrer de solidão criativa. A crítica pode até torcer o nariz para os discos de Madonna, mas ela já está numa posição de fazer o que bem entender, quando entender, como entender, com quem entender, onde entender…’
1993 Os famosos sutiãs à mostra (ao lado): uma mulher libertária, que marcou toda uma geração com suas ousadias; firme no desejo de mudar muito, e o tempo inteiro, Madonna nunca deixou
um fio de cabelo no mesmo lugar impunemente |
No convívio, ela é muito profissional, profissional, profissional’ – Por Giovanni Bianco, 42 anos , carioca, morador de Nova York. Diretor de arte que fez, dentre outros trabalhos, os visuais da capa do disco ‘Confessions on a Dance Floor’ e da ‘Re-Invention Tour’
‘Madonna é uma vitoriosa (com ‘v’ maiúsculo), dona de um talento interminável. Mas a sua principal característica de mito resume-se ao fato de ela ser uma trabalhadora incansável! Trabalho, trabalho, trabalho é o seu lema. Esse triunfo de ter o talento, de acreditar e fazer tudo no perfeito ‘timing’ é a sua vitória! No Olimpo pop, ela é a Madonna das madonnas. Rainha total. Amo todos os discos da Madonna. Mas tenho um carinho especial por ‘Confessions on a Dance Floor’.
Trabalhar com ela foi como cursar uma universidade, depois defender uma tese e fazer uma pós-graduação me preparando para um doutorado. No convívio, ela é profissional, profissional, profissional e, obviamente, acessível, mas sempre profissional. Artisticamente, eu não a vejo sem o palco ou sem o disco. O que importa é o conjunto da obra, um está atrelado ao outro.’
Madonna faz parcerias com as pessoas certas’ – Por Dudu Bertholini, 29 anos, paulista, estilista da Néon
‘Noooossaaa, adoro a Madonna!!! A contribuição dela é super importante para a moda no show business. E o que ela tem de mais forte é vestir os looks com muita personalidade. Não é que ela tenha um estilo forte. É a maneira como ela combina tudo, desde o estilo punk até o romântico. A atitude é o diferencial. Além do que ela sempre faz parcerias com as pessoas certas. Na minha opinião, a melhor parceria foi com Jean Paul Gaultier, na ‘Blonde Ambition Tour’ [turnê de 1990] . Outra que destaco foi com a dupla Dolce & Gabbana -que eu nem gosto muito, mas no palco da ‘Girlie Show World Tour’ [em 1993] ficou ótima.
Acho Madonna o máximo, desde os tempos de ‘Like a Prayer’, passando pela turnê ‘The Girlie Show’, pelo livro ‘Sex’ -um grupo de imagens de moda entre os mais fortes produzidos no século 20- e, no mesmo ano, o visual dos clipes do disco ‘Erotica’ [1992]. Ela sempre foi uma agente transformadora, uma mulher autêntica e forte, bem antes do sucesso da série ‘Sex and the City’. Visualmente, hoje em dia, ela não muda muito as coisas. Seguiu o curso do mundo. Mesmo porque ela está acima do bem e do mal.
De todos os figurinos de palco, gosto de repetir, os que eu mais gostei foram os do Gaultier. É demais quando ela entra cantando ‘Express Yourself’ vestindo um terno preto, com cortes na altura do busto, deixando à mostra um sutiã em forma de cone. Depois ela tira a parte de cima do terno e, ao cantar ‘Like a Virgin’, se desfaz da parte de baixo e a gente vê que o que ela está usando é um espartilho prata. Essa é a imagem de uma mulher desejada.
Mas não é tudo que eu gosto. Acho horrível a roupa preta, cheia de zíperes, e as luvas com um monte de penduricalhos que ela usa no clipe da música ‘Jump’. Também não gosto do visual do clipe ‘Give It to Me’ [de ‘Hard Candy’], apesar de ela estar linda. Aos 50 anos ela ainda pode usar maiô, mas aquele look com bota é um pouco menina demais. Ela deveria saber que é importante saber envelhecer. Se eu fosse convidado para fazer um figurino para a Madonna, faria uma roupa de mulher forte, com elementos retrôs e essa característica de provocar a libido de todos os sexos. Fora do palco que acho que ela não tem um estilo pessoal forte. Mas a atitude que ela põe na roupa faz a diferença. Afinal, ser elegante é entender o seu conceito e a sua história.’
*Depoimentos a Apoenan Rodrigues
Chegar aos 50 anos desta forma não é para qualquer uma; o look é clássico com um toque sadoma-soquista
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Como é o show – Por Thiago Lucas, jornalista
Uma explosão de energia. Essa é a marca do espetáculo que a rainha pop preparou. Eu já vi, em Berlim. Prepare-se: a performance é tão impecável que chega a ser congelante, de tão calculista. Mas também corajosa e impactante em sua perfeição.
O tempo é o grande personagem do show. Madonna surge sentada num trono, com um cetro que até pode lembrar uma bengala. Mas a imagem de senhora some, dando lugar a uma mulher com um belíssimo par de pernas e glúteos. ‘Candy Shop’ é a primeira canção.
Atenção: há uso de playback e há momentos em que ela se ausenta.Em seu lugar, filmes relembrando sua carreira. A produção não poupou esforços e trouxe até um enorme Cadillac que invade o palco durante ‘Beat Goes On’. Incrível também o visual da produção para ‘Devil Wouldn’t Recognize You’, quando a estrela surge dentro de uma jaula, cercada por projeções e ao som de trovões e efeitos de luzes.
Seu vigor físico é evidente quando ela, por exemplo, pula corda na maior agilidade. Tudo ao som da nova edição de ‘Into the Groove’. Daí ela deixa as cordas para se exibir numa ‘pole dancing’. Segue ‘She’s Not Me’ e, na seqüência, ela desmascara suas bailarinas que, no palco, estão vestidas como suas sósias, cada uma representando uma ‘Madonna’ diferente.
Para alguns, o show é um tanto frio. Exemplo: os fãs que jogaram presentes no palco receberam os mesmos de volta na mesma hora. Nada poderia pôr em risco a coreografia impecável. Depois de duas horas, ela termina ao som de ‘Give It 2 Me’ no mesmo pique de todos os bailarinos, duas décadas mais jovens. Até mesmo o tempo, grande personagem do seu show, se dilui diante dela. Esquecemos até das horas, como crianças numa grande loja de doces.